O circense acorda confuso, perdido. Olha em volta e vê desgraça e sofrimento. Vê gente queimando e suas peles se tornado cinzas e sua gordura derretendo como gelo em uma fogueira. Ouve gritos desesperadores e o som de lágrimas caindo de órbitas costuradas ao chão empoeirado e fedendo a putrefação, fumaça e vinagre. "Continuo em casa?" - Pensa ele. Logo em seguida ouve uma voz inesquecível e irônica, mas ao mesmo tempo desprezível e grossa - "Está em um lugar pior que sua casa, circense mortal." - Diz a tal voz - "Que nostalgia esta espelunca. Pior? Semelhante." - Retruca o circense.
_ Cuidado com o que diz, filho da puta. Aqui não é o bar onde assassinava seu fígado. Não me importa suas crenças, fé ou esperanças, ou qualquer babaquice que era sua "religião" inútil, aqui você é só mais um fudido, nada mais. - Esclareceu o soberano de tal lugar.
_ Claro que não é meu bar, lá havia jazz e indie tocando a madrugada toda. Aqui só há barulho de choros e gritos, parece uma maternidade. Sou cético a tudo, seu corno. Até aqui se fala sobre religião? Que saco! Quais são os outros rótulos? Sou um fudido aqui? Lá em cima eu também era, não me importo. Pra merda tudo isso.
O demônio começa a rir.
_ Temos um palhaço afinal! Muito engraçado, otário, muito divertido. Você tem talento. Mas acho que não entendeu sua atual situação aqui! Vejamos seus pecados!
_ De acordo com o que? Cristianismo? Evangelismo? Feliciano... Edir Macedo talvez?!
_ Calado! Hum.. Se tirarmos os mandamentos 5, 7 e 8, você desobedeceu todos os outros sete mandamentos... Que grave seu caso, "clown".
_ Você como demônio é uma ótima biscate. Veja direito, desobedeci todos os 10. "Não matarás", matei a mim mesmo toda noite durante esses 23 anos como palhaço. "Não roubar"?! Roubei o pôr-do-sol para somente mim mesmo e a lua para me fazer companhia, coloquei-a em meu bolso. "Não levantar falsos testemunhos", fiz isso várias vezes para consolar viciados e os ajudar a sair do vício. Sempre dizendo que "Deus sabe o que faz" e "Deus isso, Deus aquilo" e os caralhos.
_ Não brinque comigo palhaço! O que pensa que ganhará com toda essa desobediência e insultos a mim?! Acha que lhe mandarei para o céu?! Ou para viver de novo para uma nova chance?!
_ Céu? Lá não posso fumar e nem falar palavrões, eu enlouqueceria. Viver novamente?! Nem se me pagasse com todo papel do mundo. Uma vida de bosta já serve, e pensar que esperei 30 anos pra poder ver onde eu cairia. Que piada!
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